Fábio Massari em sua primeira entrevista com Frank Zappa
Há uns três anos, pouco menos que isso, recebi um convite do Fábio Massari. Se eu escreveria um texto para um livro que ele estava preparando, bem aos poucos. Um tipo indefinido de tributo a Frank Zappa. Na hora topei, mas fui adiando o texto infinitamente, resignado com meu patológico protelamento, lassidão profissional e, digo sem medo de ofendê-lo, com a marcha bem lenta do senhor Massari.
Há sete meses, ou nem tanto, ele me escreve um dos raros emails (Massari não é dos melhores para respondê-los), apertando. A coisa era séria. Ou o texto sairia, ou eu ficaria de fora. Novo prazo: 1 mês.
Nesse meio tempo viajei, escrevi coisas maiores e mais complexas do que a encomenda do reverendo. E nenhuma letra digitada em honra de Frank Zappa. 1 mês depois, novo email de FM (o cara tem rádio até nas iniciais…). Até sexta, senão… valeu a tentativa. Em uma quinta de setembro passado sentei-me no sofá com meu finado laptop no colo. Zappa, então.
Duas fotos do fim da vida de Zappa, 1993, pouco antes do câncer o levar. A segunda foto, muito rara, talvez sua última foto ainda vivo, feita em seu estúdio no subsolo de sua casa, é a única em que o vi com um olhar triste
Não discorri sobre o que penso do gênio ou sobre minha coleção de mais de 30 discos do cara (nem metade de sua obra). Só tentei achar um jeito de dizer o seguinte: Zappa me salvou a vida.
Escutei o homem até que tarde, aos 19 anos, e só aceitei o som quando meu chapa Paulo Chapolim (hoje do Ludov e Seychelles) me entregou Joe´s Garage. A ópera cínica, emocional, tarada e oprimida foi o discurso perfeito, tudo o que diria da vida que eu levava – se eu fosse um gênio como Frank.
Era um publicitário em formação, decepcionado com o futuro bem remunerado que meus sucessivos estágios prometiam em poucos anos. Eu era um bom aluno, meia dúzia de slogans já veiculados. E uma aflição presente em qualquer segundo sóbrio: enfiado em fumaça, selinhos e insônias, eu pressentia que estava na bem pavimentada estrada que leva à babaquice. Joe´s Garage, a faixa em si, era um ridículo e infantil resumo da minha vida até então. Em dois acordes.
Moleque monta banda, toca só aquelas notas que sabe, ensaia na garagem horas e horas a mesma canção, as meninas do bairro olham para ele, ele dá um nome para o grupo, toca no colégio, grava aqueles acordes. E, como se o tempo fosse surdo, anos depois está estuprado por cretinos de gravata,infectado por doenças venéreas, fazendo sexo mecânico, e finalmente preso em um lugar cuja a única saída é imaginar solos.
Em um mês eu sabia os três atos (dois cds) de cor. Um ano depois as lições de Zappa avacalhavam tudo o que eu ouvia na aula. Madrugadas com amigos, destilando o cinismo, a piada impiedosa, a arrogância – e abrindo mais o coração para a loucura. Uma longa lista de festas, livros, empregos, drogas, falências, mentiras e revelações me arrancaram a gravata em 2001, definitivamente, e minhas chances de formatura. Mas, se aqueles 3 anos infernais, que se misturam em estranha pasta, tivesse um rosto, seria um rosto com um vasto bigode preto, cabelos longos mal lavados e um olhar cínico e companheiro.
Compre um
Tudo isso para avisar que chega às livrarias, neste março, Detritos Cósmicos, o tal livro do Massari. São muitos textos de colaboradores (o meu incluso), cartuns, fotos e, a íntegra das duas entrevistas que Massari fez com FZ. Tem muito texto bom, tem coisa que não gostei, e os papos com entre Fábio e Frank são sensacionais. Mas, depois dessa talvez desnecessária digressão, o que importa é que estou muito feliz de ver pela primeira vez meu nome em um livro que homenageia um cara que me apontou o caminho deles. E acompanhado nas páginas por Paulo Lima (chefe), Ivan Marsiglia (ex-chefe, ex-fiador e grande sujeito), Arthur Veríssimo (compadre e colega da Trip) e muito gente boa.
Então… peço aos leitores de Fudeus que adquiram seu exemplar. Mesmo quem não ouviu ou não gosta do som, vai gostar de saber porque Frank Zappa virou gênero de música e porque sua inteligência faz tanta, tanta falta nessa dinastia Bush.
Grato, Massari.
Ave, Zappa.
É dessa cara que eu estava falando…